segunda-feira, 29 de maio de 2017

No Conto “A Procura da nossa turma: A sensação da integração como uma benção” nos remete às várias histórias de rejeição pelos pais a uma criança diferente das demais. Em muitas histórias familiares, o que geralmente predomina é a aceitação do que é considerado normal, aquilo que é comum nos modelos seguidos culturalmente. Muitas vezes, as crianças são rejeitadas em grupos de colegas, ou até pela família, porque não estão correspondendo às expectativas das pessoas ao redor. Muitas vezes as mães tentam defender os seus filhos e protegê-los dos preconceitos, mas fracassam por não querer serem exiladas da comunidade.  Podemos pensar nas histórias de muitas mulheres que tentam se encaixar em rótulos, em estereótipos, com a possibilidade de se salvar de uma ditadura de ações esperadas. Elas vão se perdendo, e consequentemente se desconectam com elas mesmas e se afastam da força da mulher selvagem, porque tornam-se aquilo que não desejam ser. Por sentirem-se oprimidas, aquelas mães que abandonam o instinto básico de proteção ao seu filho, se tornam mães ambivalentes e prostradas. Pois estas mulheres vão pouco a pouco desistindo de confrontar o mundo, e consequentemente, não defendem mais os filhos.  Estas mães têm medo de serem rejeitadas pela comunidade, e podemos inferir que este medo está inserido no Inconsciente Coletivo contido na psique de todas as nossas antepassadas, que por séculos foram controladas e reprimidas. Elas tiveram que se dividir a nível psíquico: ou optavam por serem aceitas ou eram consideradas estranhas e rebeldes.

Esta questão está por detrás da legitimação do casamento, visto que, por gerações, muitas mulheres acreditaram que seriam salvas ao aceitarem seu papel de esposas e boas mães. Elas foram coniventes com os valores morais de que "o ser humano poderia ser aceito a menos que um homem dissesse o contrário". (Clarissa Pinkola Èstes). Para tantas mulheres que estão dentro de um constructo, ou estereótipo de "prostradas", que significa o instinto selvagem reprimido, sofrem da dicotomia da relação de exigências exteriores e as exigências da alma, pois há uma incerteza quanto ao seu verdadeiro valor.

Mas nada está perdido! No fim do túnel existe uma luz, uma esperança para todas as mulheres perdidas de sua essência. Acredito que o movimento de cura está em levantar-se e sair a procura do lugar a que pertencemos. Muitas mulheres que tiveram mães prostradas não devem repetir este padrão de apatia. Devemos quebrar a rede de neuroses e comportamentos repetitivos. Devemos dar lugar a força da Mulher Selvagem para sermos criativas e autênticas!

Nos antigos rituais de passagem, de bênçãos do útero, do parto, era comum que um grupo de mulheres se reunisse para despertar seus instintos com a presença da Mulher Selvagem.

Sendo assim, quando a mulher era tocada por esta presença, ela se fortalecia e conseguia canalizar seus instintos para a sua prole. As anciãs de muitas tribos e culturas eram as guardiãs desta sabedoria, e passavam as bênçãos de forma natural e espontânea.
Nos nossos tempos modernos, o processo de gestação, do parto e puerpério são muito isolados, acarretando que muitas mães saem dos hospitais solitárias, rumo ao lar em que permanecem durante longos períodos, como mães separadas da sua vida instintiva. Acabam cuidando dos seus filhos de forma automática. Somente despertando a vida instintiva irão despertar uma Mãe Nutridora.

Muitas mulheres vivem no papel de mães-crianças, imaturas quanto a sua maternidade. Se tornam frágeis na educação de seus filhos, pois não possuem uma identidade bem definida e precisam ir em busca do Self perdido. Como no conto, o patinho feio foge desta mãe prostrada, e vai em busca de seus semelhantes. Ele enfrenta várias hostilidades neste percurso, busca lugares onde possa repousar. Como uma síndrome, ele vai batendo de porta em porta,  e sempre é recusado e rejeitado. Deste modo, o patinho feio desperta seu instinto de sobrevivência, e somente nesta condição, consegue superar e ter uma reação ao isolamento. A síndrome do ser diferente faz com que continue buscando amor, mas se colocando em situações de risco e ele encontra uma grande escassez de afeto. Fazendo um paralelo com as mulheres, descobrimos a Síndrome da Vítima, aquela que foi rejeitada e castrada e passa a se comportar a vida inteira neste padrão. Até que alcance a liberdade de ser, com o fio de ligação à Mulher Selvagem!

Muitas mulheres sofrem neste percurso, mas a Cura está no retorno ao amor-próprio, quando realmente conseguem reencontrar o amor, a sua alma, sua essência. Existe o perigo de tropeçar e ficar no comodismo do papel de vítima, mas uma hora a Mulher Selvagem surgirá e a jornada recomeçará!

No final deste conto, o patinho feio é reconhecido pelo grupo de cisnes. Para seguir uma vida instintiva é necessário trazer à consciência as histórias de muitas mulheres exiladas e saber honrá-las! A mulher precisa da liberdade de ser quem é, ela precisa gritar e sacudir o esqueleto! Quando a mulher passa a aceitar a sua beleza selvagem encontra a paz interior. È quando de fato acontece a sua verdadeira integração consigo mesma.

domingo, 28 de maio de 2017

A Fonte das Mulheres

O filme A Fonte das Mulheres apresenta uma história que se passa em uma aldeia situada entre a África e o Oriente Médio, onde as mulheres são responsáveis por buscarem a água utilizada pelas famílias. Para isso, precisam caminhar grandes distâncias embaixo de sol escaldante, mesmo grávidas ou anciãs. Enquanto os homens, que anteriormente defendiam a aldeia nas guerras, ficam em casa, ou no bar da vila, apenas bebendo e jogando. Um dos habitantes do vilarejo fica noivo de Leila, uma francesa que mora há algum tempo na região. A jovem não aceita a tradição e decide pôr fim a isso, começa então a questionar as outras mulheres da tradição antiga. Algumas, como a sua sogra, resiste a mudança, e ela é julgada na vila  e taxada de feiticeira. Após resistência e com apoio de uma das anciãs e benzedeira, Leila exige que os homens passem a buscar água. Por se tratar de uma comunidade extremamente machista, a solução encontrada é fazer “greve de sexo”, o que, entre islamistas radicais, causa muitos problemas. Elas resistem aos preconceitos na vila, e começam a apresentar resistência, com cantigas e danças públicas, e com frases metafóricas como: " Seus corações estão secos e espinhosos como estes galhos" - fazendo os homens repensarem sobre a seca da região.
Leila tem o apoio do marido, mas este em determinado momento se vê pressionado pela aldeia e por outros homens, e quase acaba desistindo de apoiá-la. Mas o amor entre os dois e o respeito, fazem com que o marido acabe também questionando a antiga tradição, e passa a ajudar as mulheres na greve. Solicita a um cientista, visitante na vila, que torne público em um jornal: a estória da vila e quanto tempo as mulheres ainda carregam a água da fonte, sem que os órgãos públicos tomassem suas devidas providências. 
Nesta vila, a facção religiosa demonstra uma grande rigidez de costumes, aliado à um intenso padrão patriarcal, nos quais as escrituras sagradas são deturpadas para beneficiar o poder masculino. 
As mulheres convencem o Guia espiritual local, de que elas devem ser tratadas como iguais, e que precisam de ajuda dos homens para solucionar a seca da região. Surge também a resistência dos homens, nesta mudança, pelo motivo das mulheres deixarem a sua posição de subordinadas. E se a água chegar na vila, as mulheres vão querer eletricidade, máquina de lavar roupa, etc. ou seja, vão sair do doméstico, e não servir apenas aos homens.  Uma solução é exigida, de que os homens reconheçam que devem tratar bem as mulheres, e que devem trazer a água para vila. E que a solução não deve ser uma guerra de gêneros. 
Simbolicamente, no final do filme, um Música é cantada, e temos a declaração final de que a Fonte das Mulheres é o Amor!
Lindíssimo o filme, pois trata de despertar muitas mulheres que ficam no silêncio da submissão, sofrem abusos, abortos, agressões, a começarem a agir para buscar sua dignidade. 
A busca da água, neste contexto, pode significar a busca de um fluxo de emoções, o retorno do poder verdadeiro do amor, a busca de um novo modelo de relacionamento. A greve de sexo no decorrer do filme,  significa para as mulheres em questão, exigir respeito, carinho e prazer. Muitas delas ouvem Leila ler um livro proibido, "As Mil e Uma noites", revelando um caso de romance e paixão. Muitas das mulheres começam a ter consciência dos seus desejos, e conseguem lutar para deixarem de ser um objeto sexual aos seus maridos.
No casal, Leila e Marido, há uma revelação, de que Leila não perdeu a virgindade com ele, no início seu marido parece que irá repudiá-la, mas depois compreende que ela foi vítima da sociedade patriarcal. Foi abandonada por seu noivo prometido, pois os pais dele resolveram esposá-la com uma mulher de família rica e nobre. Surgindo as questões aqui, e que ainda permeiam a nossa cultura, de que a mulher deve se casar, e de que todas as mulheres solteiras ou que já tiveram vários parceiros sexuais, ainda são condenadas prostitutas ou vadias. Nesta aldeia em questão, elas podiam ser repudiadas e expulsas. No simbolismo de nossa atualidade, quantas mulheres são rejeitadas pois são vistas apenas para amantes, e não esposas fiéis?
Enfim, o filme termina com o casal feliz, mantendo uma relação sexual sadia e amorosa.